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A epidemia começou

No início do ano li O Ponto da Virada, de Malcolm Gladwell, escritor da revista New Yorker. Excelente livro onde o autor traça assombrosas semelhanças entre epidemias de doenças e o sucesso de tendências de marcas, produtos, moda e comportamentos. Recomendo de olhos fechados. Gladwell fez um trabalho fantástico de pesquisa e foi a fundo em temas complexos, explicando por que uma coisa faz sucesso enquanto outra não e – mais importante – prova que nada é resultado do acaso. O nome do livro faz alusão justamente o momento em que algo deixa de ser comum para se tornar extraordinário.

É leitura para quem gosta de se aventurar pelo universo do marketing com altos toques de psicologia e deseja, principalmente, entender melhor o comportamento humano – eu mesmo faço diversas citações aos textos de Gladwell em um novo livro que estou escrevendo. Além de explicar como uma indústria de calçados sai da quase falência para um sucesso total entre famosos estilistas sem que nenhuma ação promocional fosse feita; ou por que as campanhas antitabagismo jamais surtirão efeito sobre os jovens, o livro aborda também temas como índices de criminalidade, drogas e suicídio. Como o caso do assassinato de Kitty Genovese, em 1964, em que a moça foi esfaqueada até a morte próxima de sua casa, tendo como testemunhas 38 pessoas que observavam de suas janelas e nenhuma delas chamou a polícia. Descobriu-se, posteriormente, que um achou que o outro é quem iria ligar para polícia e ninguém tomou atitude alguma. Assim, em alguns casos, menos pessoas significa mais ações e resultados.

Gladwell também menciona como a iniciativa ‘broken window’, em Nova Iorque, conseguiu reduzir drasticamente os índices de criminalidade na cidade, especialmente nos metrôs. Geralmente atribuída ao ex-prefeito Rudolph Giuliani, essa operação na verdade originou-se bem antes, no início da década de 1980 e foi resultado da parceria de um chefe de polícia com um psicólogo criminologista. Giuliani, em seu mandato, apenas ampliou o projeto que estava focado em um bairro para a toda a cidade.

Ainda na área criminal, o livro cita exemplos curiosos de ondas de suicídio que acometem alguns países e regiões de tempos em tempos. Não lembro exatamente os detalhes, mas creio que na Micronésia um jovem príncipe, não tendo seu amor correspondido, resolveu tirar a própria vida de forma dramática. Nunca aquele país havia registrado um suicídio em toda a sua história, mas, a partir daquela data, dezenas de jovens começaram a se matar de forma parecida à do príncipe ao longo dos anos. Um dos garotos, resgatado a tempo depois de tentar se enforcar, disse que a sua intenção não era se matar, mas apenas “saber como era”.

Para Gladwell, nesse contexto entra o que ele chama de ‘A Regra dos Eleitos’. São pessoas com incrível poder nato para influenciar outras pessoas – para o bem ou para o mal. No caso da Micronésia, o príncipe foi o influenciador para dar início à onda de suicídios (de forma semelhante aos imbecis que, anos atrás, atiraram em si mesmos imitando outro imbecil, Kurt Cobain). Mas um ponto interessante levantado por Gadwell é que nem sempre os suicidas seguem o mesmo padrão do influenciador. De acordo com pesquisas nos EUA, sempre que uma notícia de suicídio estampava as manchetes dos jornais, o número de acidentes fatais com automóveis aumentava nas semanas seguintes. Se o suicídio envolvia apenas uma pessoa, as vítimas nos carros eram uma pessoa. Se o suicídio era precedido pelo assassinato de outras pessoas, os carros envolvidos nos acidentes também envolviam várias pessoas. O que isso quer dizer? Que basta alguém com coragem o suficiente para dar o primeiro passo e outros o seguirão, mesmo que não exatamente da mesma maneira.

Ao falar nesse tema, o livro destaca que existem dezenas de assassinos e suicidas em potencial por aí. Pessoas aparentemente normais, mas que escondem traços de psicopatas esperando apenas alguém dar o ‘primeiro passo’. Para essas pessoas, quando o influenciador toma a frente e sai matando pessoas ou resolve tirar a própria vida, ele passa a mensagem aos seus ‘admiradores’ de que aquilo é permitido, é correto e que eles têm permissão para fazer também – vale ressaltar que essa influência não é necessariamente direta e imediata, a ideia pode ficar germinando na mente das pessoas por um bom tempo. Tivemos exemplos desse efeito de ‘epidemia comportamental’ aqui no Brasil há alguns anos. Basta lembrar na quantidade de pessoas que de repente começou a dirigir na contramão de movimentadas avenidas – toda semana tínhamos notícia disso, e muitas dessas pessoas não souberam explicar por que fizeram aquilo. Houve também o caso da menina Isabella Nardoni, que foi jogada pela janela do prédio onde morava. Pouco tempo depois, se vocês lembrarem, um caso semelhante ocorreu em outro estado.

Essa introdução foi apenas para lembrar que hoje faz uma semana do massacre das crianças na escola de Realengo, no Rio de Janeiro. E que enquanto inúmeros sites e jornais se apressam em divulgar os mais sórdidos detalhes sobre o assassino e suas vítimas indefesas, eles ignoram que estão alimentando crimes semelhantes no futuro. O primeiro passo foi dado, o assassino já transmitiu sua mensagem e concedeu, psicologicamente, uma “licença para matar” a seus admiradores. E podem apostar que ele está cheio de admiradores – alguns até talvez estejam revoltados com o ocorrido, mas, inconscientemente, seriam capazes de fazer o mesmo.

O ‘ponto da virada’ começou no dia 7 de abril de 2011. Enquanto buscam-se motivos e explicações para algo inexplicável; enquanto buscam culpados para uma atitude inenarrável, uma semente começa a germinar na mente de diversas pessoas. A epidemia começou. É esperar para ver quando acontecerá de novo.

Emilio Calil

Empresário, Palestrante e Escritor. ⚡ Fundador do Marketing de Transformação, que emprega técnicas de autoconhecimento e coerência para elevar o espírito de pessoas e empresas.

Ver comentários

  • Fiquei interessado em ler O Ponto da Virada. Aí Claudina, é uma boa dica de leitura para você também.
    E achei interessante essa explicação para os números de suicídios, sobre a Regra dos Eleitos. Mas acredito que a questão é muito mais complexa.

  • Emerson, o livro é muito bom mesmo. Vale a pena. E não está caro, acho que fica entre 20 e 30 reais. O que eu li era emprestado, mas pretendo comprar um para usar como consulta.

    E sobre o caso dos suicídios, claro que é bem mais complexo. Eu apenas passei rápido sobre o assunto, no livro a coisa é bem mais detalhada.

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Emilio Calil

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