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Síndrome do coitadinho

Se você vai comprar feijão, significa que tem um problema: está sem feijão. A solução é o mercado. Vá até lá, compre o feijão e problema resolvido. Em momento algum você se pergunta quantas pessoas trabalharam para que aquele feijão chegasse ao mercado. Não interessa se houve problema na colheita ou se alguém trabalhou no fim de semana. Interessa que o feijão esteja na prateleira quando você for ao mercado.

Nosso dia-a-dia é regido por conceito semelhante. Seja qual for sua profissão, saiba que você é pago para resolver problemas. Não interessam os contratempos enfrentados, mas apenas que os problemas sejam resolvidos. Assim, o desafio profissional está na criatividade para resolver problemas e o quanto se é pró-ativo para evitar novos problemas – aliás, ‘pró-atividade’ é palavrinha da moda que não gosto muito, mas se faz necessária aqui.

Por que toco no assunto? Porque tenho visto, não poucas vezes, pessoas sendo afligidas pelo que chamo de Síndrome do Coitadinho. É um mal que parece alastrar-se. Essa síndrome faz a pessoa acreditar que o simples fato de exercer sua profissão a torna um ótimo funcionário. Lamento, mas não há nada de excepcional em fazer algo pelo qual se é pago. Desempenhar bem suas funções é obrigação, portanto, não espere reconhecimento.

O elogio por um bom trabalho motiva para que façamos ainda melhor, mas não justifica promoção. É como se gabar de ser honesto. Não há virtude na honestidade, pois ela é obrigação. Virtuoso é quem busca a perfeição, como mostra Percival Puggina em Até a mediocridade se rarefaz. Funcionário que só executa o que lhe pedem faz o mínimo que se espera dele. Já aquele que questiona, que não se limita a executar ordens, assume novas responsabilidades sem que lhe peçam e, acima de tudo, se compromete com resultados, é digno de reconhecimento.

Até aí, nada de novo. O caso é que o possuidor da Síndrome do Coitadinho sente-se injustiçado quando não é reconhecido. Mas não se esforça para obter reconhecimento. Ainda que diga o contrário, suas atitudes o entregam. Vive reclamando, diz que faz tudo o que lhe pedem, que cumpre os horários, que se dedica, mas o salário é baixo, as condições são ruins e por aí vai. Arruma desculpas para encobrir suas limitações e conformismo. Faz apenas o que está diante dos olhos e até onde o braço alcança.

Se for criticado, o Coitadinho corre para se justificar, mas não assume o erro. Não aceita conselhos, pois, como não vê as próprias falhas, as sugestões são encaradas como complôs e intrigas para derrubá-lo: “Eu faço meu trabalho direito e querem puxar meu tapete”. Se a crítica vem dos chefes, é porque não o compreendem, não conhecem seus problemas e exigem demais dele. Exigem demais – veja só – para que ele faça aquilo para o qual foi contratado.

O Coitadinho não procura ampliar seus conhecimentos, o que o limita social e profissionalmente, pois não sabe fazer nada além do que está habituado e fica difícil até manter longos diálogos, já que só sabe falar dos mesmos assuntos. Em geral não é má pessoa. Ao contrário, pode ser divertido e brincalhão. E por isso considera fundamental sua permanência na empresa: “Se não sou eu ali, o lugar vira um túmulo”. Acredita que vínculos de amizade entre colegas e patrões servem de motivo para mantê-lo empregado. Infelizmente, isso pode servir como adiamento para triste e inevitável fim.

Como falei no início da crônica, somos pagos para resolver problemas. Podemos dar exemplo de profissionalismo e dedicação, mas se não resolvermos os problemas que nos competem e mostrarmos resultados positivos, de nada servimos.

E chega o fatídico dia em que o Coitadinho é forçado a colher aquilo que plantou – ou melhor, o que não plantou. Colocada na balança a proporção custo-benefício de seu desempenho, ele se vê transformado em mais uma estatística do desemprego. Triste, inconformado e principalmente revoltado, dispara farpas: “Essa empresa não merece alguém como eu”, “Dei meu sangue por eles e essa é a recompensa que recebo”, “Bando de ingratos”, “Eu estava certo, havia um complô pra me derrubar”, etc., etc., etc. Passa tudo pela cabeça do Coitadinho, exceto uma única coisa: “Onde foi que eu errei?”

Então o Coitadinho arruma novo emprego. Ambiente novo, novas obrigações, novos colegas e uma página em branco para escrever seu futuro profissional. Mas ele pensa: “Agora sim encontrei empresa que reconhece meu potencial, aqueles ingratos sentirão minha falta”. E quer saber? Os ‘ingratos’ não sentirão falta nenhuma. No começo, o Coitadinho se vê reconhecido e valorizado, mas não tardará a perceber novas ‘intrigas internas’ ou novas ‘tarefas impossíveis’ que lhe foram incumbidas. E a história se repetirá.

“A Síndrome do Coitadinho tem cura?” – você perguntará. Sim! Eu mesmo já sofri desse mal. O único remédio eficaz é passar a assumir a responsabilidade pelos próprios erros e, inclusive, até por erros alheios. Quando perceber que as desilusões são resultado exclusivo de suas ações, o Coitadinho dá o primeiro passo em direção à cura. Tentará, então, recuperar o tempo perdido e reverter o prejuízo. É jornada longa e difícil – dolorosa, até -, mas incrivelmente revigorante e compensadora. Ou então ele pode passar o resto da vida imaginando aqueles grandes feitos e sonhos jamais realizados, enquanto tenta entender por que alguém com 3 meses de empresa foi promovido e ele, com mais de 3 anos, continua com o mesmo salário.

Lembrei agora de um ditado que dizia mais ou menos o seguinte:

Tens uma tarefa a cumprir. Podes realizar dez tarefas até mais importantes na frente desta, mas se não concluíres a primeira tarefa, terás desperdiçado teu tempo.

Emilio Calil

Empresário, Palestrante e Escritor. ⚡ Fundador do Marketing de Transformação, que emprega técnicas de autoconhecimento e coerência para elevar o espírito de pessoas e empresas.

Ver comentários

  • Pois é Emilio, mandou muito bem nas palavras. Todos os dias encontramos sujeitos que sofrem desta síndrome. O negócio é puxar a responsabilidade para si e marcar gol. A propósito, sei que vc não é fã de futebol, mas, tenho de aproveitar o momento pra dizer uma coisa aos colegas:

    ÃOOO ÃOOO ÃOOO SEGUNDA DIVISÃO....rs....

  • Oi Emílio, mais uma vez tenho que me abaixar perante sua forma de esbofetear com luvas de pelica!!!! Parabéns pela transparência de suas idéias, e clareza de sua crônica.
    Realmente a vida mostra tantos caminhos tortuosos mas poucos são aqueles que buscam alternativa para sair dali, o máximo que fazem é organizar uma fila, de todos que ali pararam, esperando um trouxa passar para carregá-los nas costas e resolver todos os problemas... Mas mesmo assim se valorizam achando que essa atitute é plena e única, achando que todos o valorizarão pela ação! Sou seguidora dos jargões "aqui se faz, aqui se paga", "você colhe o que planta" ou "você é aquilo que suas atitudes o traduzem", algo assim... E pensando nisso é que me preocupo com o futuro das crianças. Luto por meu filho, pra não ser um desses que se acham esperto demais. Luto por ele não se contentar em ficar apenas na média, assim ele no futuro será mais um daqueles que nunca sonhará, nunca terá vontade de lutar por objetivos... E além do mais, não acreditar que possa fazer algo de errado. Pois está aí o grande ensinamento, só crescemos quando reconhecemos onde erramos e tentamos corrigir para não se fazer igual... Diferentemente desse seu personagem que ilustra sua cronica.

  • Como disse ao Emílio pelo msn, esse texto é "uma clava na cabeça", na minha por sinal. Se tem uma coisa que não gosto são lamentações, não levam a nada, não resolvem nada. Mas confesso ser um pouco comodista e preguiçoso. E no passado fui pior. Em meu primeiro emprego me acomodeu de uma tal forma que ao sair acreditava poder encontrar outro emprego facilmente. Puro engano. Fiquei um ano e meio parado.

  • Quando digo parado não quero dizer que não procurei nada, digo parado porque não "conseguia" nada.

    A comodidade é um laço terrível.

  • Primeiramente parabéns pelas suas palavras Ervilho...
    Realmente... os ditados sempre são bem utilizados nestes tipos de situação.. "aqui se faz, aqui se paga!", "vc é aquilo que as suas atitudes o traduzem!" ditados muito bem colocados pela nossa colega Mariana. A acomodação não nos leva a nada e a preguiça sempre será um pecado capital!! Perdemos muito por sermos acomodados, mas mtas vezes podemos não ter tempo de reverter tal situação! Típico brasileiro que deixa a peteca cair para depois se preocupar com as responsabilidades que a vida possui.... quem dera as coisas fossem de outra forma e muitos pudessem enxergar a situação do jeito que ela é deixasse de ser os espertões... porque aqui se faz, aqui se paga!!

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Emilio Calil

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