Categorias: Cotidiano

Sobre respeito, tolerância e laicismo

Um amigo me pergunta por que não falo de religião no blog: “Você seguiu várias doutrinas, poderia falar com conhecimento sobre elas“. Poderia, mas não falo. Sim, peregrinei por vários caminhos, mas encontrei o que buscava e sosseguei. Não preciso discutir esta ou aquela religião. Eu seria um imbecil se saísse criticando outras doutrinas e enaltecendo a minha. Nada disso. Defendo justamente a liberdade de se seguir o caminho que achar melhor – ou seguir caminho nenhum. Discutir o certo e errado dentro da própria fé é uma coisa, mas invadir filosofias alheias com o dedo em riste é inaceitável.

Cada pessoa tem a liberdade de crer no que quiser, desde que não tente impor sua opinião a outrem. Tenho um colega, por exemplo, que não se conforma com quem crê na Bíblia, mas discursa sem pudor sobre a vida dos habitantes da Atlântida. Defendo o direito a ter essa opinião, mas não o de atacar outras crenças para defender a sua. Se está convicto da sua fé, por que atacar as outras? Incomoda tanto assim o fato de outras não pensarem como você? Isso não quer dizer que não se deva questionar para entender uma doutrina. Acreditar cegamente sem perguntar os ‘porquês’ leva ao fanatismo.

Entendo“, rebateu meu amigo, “mas aí você não poderia falar de política, pois cada um escolhe o lado que quiser“. De fato, até minha esposa reclama quando falo de política no blog. Mas há uma diferença.

Na religião, debate-se metafísica: Pode um cego enxergar pela fé? Os monges tibetanos levitam? Existe reencarnação? Isso só cria mais divergência, pois há religiões antagônicas. Além disso, não considero a internet bom lugar para o assunto (além de não concordar com religiões e religiosos que usam a mídia para propaganda). Prefiro uma civilizada conversa ao vivo, se necessário.

Na política é diferente, pois fica-se no mundo físico – diria que é ciência mais ‘exata’ do que ‘humana’. E ainda que eu critique a esquerda e o socialismo, não desejo bani-los em prol da direita e do capitalismo. Ao contrário, é bom ter um contrapeso para que um dos lados não se exceda. Já a esquerda quer silenciar qualquer ideia contrária, pois se presume perfeita. Bobagem, nenhum esquerdista ou direitista está livre de erros, por mais culto que seja.

Admirar pensadores ditos ‘de direita’ não me implica concordar com tudo o que dizem. Por exemplo, gosto dos textos de Olavo de Carvalho, mas o acho muito alarmista e apocalíptico. O jornalista Reinaldo Azevedo é ótimo, mas dá seus escorregões quando tenta ser imparcial. O escritor Janer Cristaldo domina a escrita como poucos, mas exagera em certos comentários e acaba por criar legiões de desafetos. Aliás, Cristaldo é ateu e faz pesadas críticas a religiões, mas o fato de não concordar com ele não me impede de admirá-lo como escritor. No blog dele, ele escreve o que quer.

Também não aprecio a mistura de política e religião – principalmente políticos que usam religião para se promover. Sou favorável a um Estado laico que garanta liberdade religiosa. Podemos respeitar as leis do país e a religião sem conflitos. Por exemplo, se o aborto for legalizado, as religiões contrárias à ideia continuam aconselhando seus fiéis a não praticá-lo. Se a religião condena o homossexualismo, ela deve exortar que seus membros não pratiquem tais atos, sem jamais pregar contra os gays no mundo. Se Estado e Igreja divergem em um assunto, que sigam seu caminho sem interferir um no outro.

Por defender a liberdade é que me oponho à ideologia socialista, que não tolera críticas externas e nem faz autocrítica. Debatessem as esquerdas racionalmente, muito se aproveitaria. Mas preferem argumentos ad hominem, feito crianças birrentas. Além disso, o comunismo substitui Deus por ditadores e guerrilheiros. Transformam-se genocidas em santos. Foi assim com Lênin, Mao, Fidel, Che e outros. Escolher o caminho agnóstico por deliberação própria é uma coisa, mas ser obrigado a renunciar sua fé é outra. Por mais íntegro, culto e respeitável que seja (e não é o caso de nenhum desses citados), homem algum é digno de louvor. Podemos admirá-los, seguir seus conselhos e imitá-los, mas lembrando que eles erram e devemos discordar. Quando ouço alguém defender o socialismo e se dizer cristão, espírita ou budista, não deixo de rir. O ingênuo defende a ideologia que destrói aquilo em que ele acredita.

Se me falam em tolerância com as diferenças, subentende-se que se deve aceitar passivamente qualquer provocação ou abuso dos tais ‘diferentes’. Não concordo. Se não tolero algo, não tenho que aceitá-lo. Não gosto de samba e pagode, não frequento lugares que tocam samba e pagode. Quem gosta, vá e divirta-se, mas não me chame e não venha me dizer que estou errado por não gostar. O mesmo vale para preferências religiosas, políticas e outras. Especialmente as que optam pela violência. Nesse caso, têm meu total repúdio – seja um governo ou uma religião.

Quando conheci Janer Cristaldo pessoalmente, ele jamais tentou me impor sua visão ateísta, mesmo conhecendo minha religião. Ambos sabíamos do ponto de vista do outro, não havia por que criar discussão. Mais do que tolerância, preferimos o respeito. Termino citando Voltaire:

Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-las.

Emilio Calil

Empresário, Palestrante e Escritor. ⚡ Fundador do Marketing de Transformação, que emprega técnicas de autoconhecimento e coerência para elevar o espírito de pessoas e empresas.

Ver comentários

  • Rapaz, você acordou inspirado (ou foi dormir inspirado. E pensar que esse texto é em parte resultado de uma de nossas conversas. Confesso que depois daquele dia eu fiquei ruminando a conversa a semana toda, e vez ou outra ela volta à memória. E por fim, lendo seu texto acabo de concluir que seu ponto de vista estava correto.
    Apesar de que eu sou totalmente contra que se ataque a crença de alguém, o que me incomoda mesmo são os degrais que foram escalados para se chegar a alguma conclusão religiosa, mas o que aprendi aqui, e principalmente lendo seu texto agora, foi que até mesmo esses degrais são difíceis de se analisar.

  • Bom, voltando, para deixar claro o que eu quis dizer com "degraus". Por exemplo, o caso dos que acreditam em Atlântida. Não existem provas de que a Atlantida tenha existido, o que existe é uma citação de Platão que praticamente não diz nada e o resto é especulação. O que me incomoda é quando a "especulação" é metamorfoseada em "explicação científica", sendo que na verdade não é. Falo desses degraus.

    Então, o que me incomoda não é o fato de alguém acreditar na Atlântida ou em discos voadores, o que me incomoda é quando alguém usa argumentos sem sustentação, esses argumentos (os degraus de que falei) é que me deixam desesperados, porque sei que isso também tende a levar a algum tipo de fanatismo, pois é uma visão cega da realidade.

  • Amigos, não quero colocar lenha na fogueira mas, sou totalmente contra aos exageros religiosos. Digo isso com base, não são nos evangelicos, mas, também nos muçulmanos, judeus (olha eu dizendo isso...rs), católicos, ubandistas e etc. Concordo que a religião é algo muito particular. Cada um tem seu ponto de vista sobre o mundo "espiritual". Mas, é inegável que o "homem" (de uma maneira geral) sabe se aproveitar da fraqueza de seus semelhantes. Acho, amigo Emilio, que você não deveria deixar de falar em seu blog (veja: isso é uma sugestão) de assuntos ligados a religião. Sei que você, bem como o colega Emerson são pessoas cultas e têm condições de falar com habilidade sobre o assunto. Não acho correto, por exemplo, fecharmos os olhos para o enriquecimento ilicito da UNIVERSAL, ou as práticas extremistas (digamos suicidas) dos muçulmanos, ou mesmo as técnicas discriminatórias dos meus colegas judeus, ou ainda o fanátismo estúpido movido pela Santa Sé. Lembre-se, o seu blog nasceu com o intuito de COMENTAR O COTIDIANO....rs..

  • Adorei parabéns, mais só para uma reflexão, que discriminações e violência acontece dia apóis dia e bom lembranos uma outra frase de Edmund Burke "Para o triunfo do mal só é preciso que os bons homens não façam nada."

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Emilio Calil

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