Todos os dias somos confrontados por notícias que incentivam a tão falada “luta de classes”. Pobres x ricos, patrões x empregados, homens x mulheres, negros x brancos e por aí vai. Basta acessar a página inicial de qualquer website de notícias ou mesmo abrir o seu jornal favorito para se deparar com esse tipo de “desinformação”. Algumas vezes de forma subliminar, outras, mais descaradas. O importante é disseminar o ódio.
Os ingênuos caem no “conto do vigário”. Acham que a desigualdade do país é culpa do “sistema” e da “burguesia”. Se perguntarmos à maioria o porquê desse ódio, quase ninguém saberá responder. Não percebem que o Estado é o maior causador da desigualdade, e não as empresas. De forma grosseira, podemos explicar que a empresa visa o lucro por intermédio da venda de seus produtos. Quanto mais ela vende, melhor. E, para vender mais, são necessários mais compradores, ou seja, pessoas com poder aquisitivo elevado, dispostas a trocar seu dinheiro por algum produto. É interessante às empresas, portanto, que o país tenha uma economia forte e estável, sem pobreza. É aí que reside o erro de muitas pessoas ao acreditarem que os governos são os “salvadores da pátria”, enquanto os empresários são inescrupulosos. Não é bem assim. Ter um Estado que monopoliza tudo é regressar aos tempos de feudos e barbáries.
Lógico que existem centenas de empresários mercenários, que justificam certas reclamações – eu mesmo conheci alguns pessoalmente. A esses, nada mais correto do que manifestar nosso repúdio. Fazer uma empresa funcionar requer muito mais do que vender, é necessário beneficiar seus funcionários e fornecer condições apropriadas de trabalho. Mas e quando a ganância e a intenção de lucro deixam o setor privado para se estabelecerem confortavelmente no Estado, criando víboras insaciáveis? Relato abaixo um exemplo.
No final do ano 2000, fui intérprete de um executivo suíço de uma multinacional, fabricante de aceitadores de cédulas e moedas – desses encontrados em máquinas de refrigerantes, salgadinhos e outros. Pude comprovar a qualidade dessas máquinas, que aceitavam notas rasgadas, molhadas e envelhecidas, mas recusavam qualquer tipo de falsificação, além de dar o troco corretamente. Pois bem, agendamos uma reunião com a diretoria do Metrô de São Paulo, a fim de oferecer ao governo o equipamento para ser instalado nas máquinas que vendem bilhetes.
Durante a reunião, Maurice, o suíço, fez o possível e o impossível para demonstrar as vantagens de se utilizar um aparelho altamente seguro tanto para o Metrô quanto para os usuários. A qualidade do produto não deixava dúvidas, e seu preço era muito bom. Porém, enquanto o suíço falava, fui percebendo diversas trocas de olhares entre os diretores do Metrô. Ao término da apresentação, após alguns questionamentos técnicos, cogitou-se a possibilidade de o Metrô utilizar um equipamento melhor em suas máquinas. A negação da diretoria foi unânime.
Em alto e bom som, eu os ouvi dizerem: “Nós não nos importamos se os usuários do metrô passam duas horas na fila ou dois segundos numa máquina, contanto que comprem os bilhetes. Se a máquina não funcionar direito, eles vão para os guichês”. E ainda: “Já temos uma empresa que instala esses aceitadores de cédulas. Não é tão bom como o de vocês, mas não estamos preocupados com a qualidade. O metrô é essencial para a população e não serão essas máquinas que atrairão mais usuários”.
Traduzir aquilo foi, para mim, muito complicado. A reunião terminou logo após esse diálogo. Minutos depois, no elevador, Maurice, com o rosto perplexo e os olhos cheios de indagações, me perguntou como era possível que representantes do governo não se preocupassem com o bem estar da população. “Se provamos que nosso equipamento é melhor, mais seguro e mais barato, por que insistem em rejeitar a qualidade e utilizar aparelhos inferiores?” – questionou-me o suíço. Maurice podia ser um excelente negociador, mas aparentemente não estava acostumado com as falcatruas brasileiras. Ficou óbvio, para mim, que, naquela mesa de reunião, todos, com exceção de Maurice e eu, estavam recebendo dinheiro para favorecer a outra empresa “inferior”, seja ela qual fosse. Diante dos olhos indagadores do suíço, preferi omitir o que me passava pela cabeça e deixei escapar apenas três palavrinhas mágicas: “Welcome to Brazil!“
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