Ao professor, minha gratidão

Disse em crônica passada que elogios nos incentivam a fazer um trabalho melhor. Mas há algo mais importante e que serve como indicador para melhorar o trabalho: as críticas. O elogio incentiva a fazer, a crítica mostra como fazer.

Diz o ditado: “Quem me elogia é meu inimigo; quem me critica é meu professor”. Sendo assim, tive muitos professores na vida. De parentes e amigos a chefes e desconhecidos, aprendi (e ainda aprendo) a enxergar meus defeitos. Não sou dono da verdade nem tenho opiniões imutáveis. Discordâncias são bem-vindas, pois abrem a mente para novos aprendizados. Relembro a seguir um de meus ‘professores’.

Trabalhei numa agência de marketing onde aprendi em um ano o que não aprenderia em quatro na faculdade. O diretor contratou-me como designer e jornalista. Fui logo avisando: “Sou melhor com design de web do que com impressos”. Estudei desenho técnico de comunicação, mas jamais fiz faculdade de desenho industrial. O que sei, aprendi fuçando em programas e observando outros profissionais. “Tudo bem” – disse ele. “Você cuida da web e eu contrato alguém para impressos”. Esse alguém jamais apareceu.

Como primeira tarefa, tive que criar um anúncio de revista – ou seja, material impresso. O design que um profissional levaria uma tarde para fazer, eu levei uma semana. Nervoso, cometia erro atrás de erro. “Vou considerar isso como adaptação no emprego, mas não pode se repetir” – disse ele. Lembrei-lhe da minha falta de experiência com impressos. “Bobagem, quem faz design pra web faz pra impressão e vice-versa” – retrucou. Eu sequer sabia fechar arquivo para gráfica ou criar faca especial, então ficava aterrorizado.

Toda segunda-feira tínhamos reunião logo cedo para definir projetos da semana, onde ele dissertava sobre métodos de trabalho. Um que não esqueço era o triângulo da eficiência: Qualidade, Tempo e Preço. Dizia que o trabalho perfeito equalizava esses três pontos. Se pendesse mais para um, os outros seriam prejudicados. Por exemplo, se fizéssemos algo rápido e barato, a qualidade seria inferior. Se priorizássemos qualidade, demandaria mais tempo e seria mais caro. Ao lado reproduzo o gráfico que ele costumava desenhar. Ainda hoje busco sempre esse ponto de equilíbrio em meus trabalhos. Ele também criticava ações comerciais das grandes empresas, dizendo que não faziam bom trabalho de marketing e que ele possuía os meios necessários para promover melhores vendas.

O diretor tinha alto nível de perfeccionismo. Tudo o que eu fazia era criticado. Verdade que fiz muita besteira, mas depois melhorei. As críticas vinham diariamente e eram pesadas. Ele criticava a mim e ao programador que trabalhava comigo, debatendo códigos, até. Se disséssemos que algo era impossível, ele pegava o trabalho pra si e fazia o impossível. Depois ouvíamos belos sermões – e com razão. Mas o que lhe sobrava em conhecimento técnico, faltava no trato com funcionários.

Não poucas vezes, recebi longos e-mails dele, literalmente acabando comigo, dizendo que eu não tinha técnica, que meu trabalho não era ‘vendedor’ e que eu teria de provar por que deveria continuar lá. Houve dias em que encontrava minha noiva depois do trabalho, caía em seu colo e dizia “não agüento mais, sou muito burro”, quase chorando de ódio. Como eu, sozinho, era o departamento de criação (fazia toda a arte e textos), era difícil acertar sempre. Mas aprendi a me antecipar às expectativas dele, dando o máximo de mim. Nessa época os ataques diminuíram – houve até elogios. Jamais rebati suas críticas. Ainda que eu tivesse razão, assumia a culpa e refazia o trabalho, afinal, o resultado ficava melhor. E perdi o medo de design de impressos.

Quando achei que estava indo bem, ele mudou as regras. Contratou outro designer e me deixou como jornalista de um site de automobilismo. Reduziu o salário pela metade e me propôs vender anúncios do site para compensar a diferença. Desnecessário dizer que jamais vendi anúncio sequer. Esse nunca foi meu métier. Se em design era ruim, em vendas fui um desastre. E escrever sobre algo que não gostava e não tinha conhecimento gerou mais críticas ao meu trabalho. “Com ou sem você, o site vai decolar”, dizia ele. Claro que isso anunciava algo que eu não ia esperar acontecer. Naquela época já disparava currículos. Tinha que sair de lá.

Assim, consegui novo emprego e mantive o site como freelancer. E pouco depois veio irrecusável proposta de outra empresa. Porém, o novo volume de trabalho me impediria de continuar com o site. Expliquei ao diretor da agência que pararia de escrever, senão o trabalho sofreria queda de qualidade. A resposta ainda ecoa na minha mente: “Piorar ainda mais é impossível, Emílio”. Mesmo assim, para não deixá-lo na mão, indiquei um amigo para a vaga. Esse amigo durou uma semana lá.

Adquiri trauma profundo daquele diretor. Sua simples presença na sala minava minha confiança. Este trauma carrego até hoje. Pensar em encontrá-lo por aí me assusta. Dá a impressão que ele me cobrará algum trabalho.

Mas isso foi positivo. Hoje exijo o mesmo perfeccionismo que ele me exigia. Não me contento com o ‘bom’, busco o ‘ótimo’. Sou incapaz de ir pra casa tendo trabalho inacabado e faço as coisas com paixão. Isso me rendeu muitos elogios na empresa, mas, de tanto que já fui criticado, eles soam sem importância. Claro que fico feliz, mas devo esses elogios às críticas daquele diretor. Ele é a minha referência. Quando crio algo, me coloco no lugar dele: “O que ele diria se visse isso?”

E com assombro soube que a agência dele fechou as portas neste ano. O pessoal que trabalhou comigo lá disse que ele passara quase oito meses investindo em coisas que não davam retorno – como o site de automobilismo. Um divórcio e a perda de clientes importantes o desnortearam, disseram, e iniciou-se o declínio rápido da empresa.

O leitor deve achar que nutro satisfação pelo ocorrido, depois de tudo o que passei. Só um imbecil se alegraria com isso. Espantou-me ver como alguém tão inteligente e perfeccionista, que criticava o marketing de multinacionais, não foi capaz de utilizar esse conhecimento a seu favor. Nem mesmo o triângulo da eficiência.

Mas o ocorrido serviu para que eu o visse de outra forma. Aquele que me criticava até assustar agora era um homem comum, com problemas. Sei que ele conseguirá se reerguer, ainda que não como empresário, mas em um bom emprego. Preocupo-me com os ex-funcionários – um deles foi pai ano passado. Tenho tentado ajudá-los com indicações.

O tempo que passei naquela agência serviu para que eu ganhasse confiança e dominasse mais assuntos. Estou longe de ser bom, mas aprendi a buscar o ótimo. Se hoje sou elogiado por exercer minha profissão com dedicação, comprometido com resultados e querendo sempre fazer melhor, devo grande parte disso às pesadas críticas de um ex-patrão, um dos melhores professores que já tive.

Emilio Calil

Empresário, Palestrante e Escritor. ⚡ Fundador do Marketing de Transformação, que emprega técnicas de autoconhecimento e coerência para elevar o espírito de pessoas e empresas.

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