Em continuação ao texto As Gatas, lembrei-me de outro acontecimento que merece entrar para o “hall dos desastres”, ainda que esse não tenha o mesmo peso do anterior. Não, dessa vez não fomos ao encontro do problema, mas trouxemos o problema ao nosso encontro.
Algum tempo depois da desastrosa epopeia no shopping, adquirimos o hábito de reunir a turma em uma vídeo-locadora, onde trabalhava um amigo nosso, e fazíamos uma espécie de “happy hour”. Ficávamos ali, em meio às prateleiras de filmes, jogando conversa fora até a hora de fechar. Nos finais de semana era ainda melhor, pois, o dono da locadora deixava a chave conosco e lá permanecíamos até altas horas, assistindo filmes ou jogando videogame. Levávamos uma vida de parasitas, éramos jovens e os problemas do cotidiano pareciam distantes.
Ao findar o dia, as pessoas correm para bares e restaurantes, a fim de desfrutar algumas horas de descontração e esquecer os problemas do dia-a-dia. Nós fazíamos a mesma coisa, só que trocávamos o bar pela locadora, com a vantagem de não ingerir álcool ao voltarmos para casa – apesar de que, lembrando de algumas brincadeiras e comentários da época, não posso afirmar com certeza que estávamos sóbrios.
Havia uma espécie de sentimento de “superioridade” entre nós, afinal, quantos clientes tinham a liberdade de ficar dentro de uma loja, depois de fechada, “usufruindo” a mercadoria? Privilégio de poucos, sem dúvida. Isso nos tornava especiais. O relógio batia 18h e, aos poucos, íamos chegando ao nosso reduto. A turma não era muito numerosa, mas, mesmo assim, ficava difícil encontrarmo-nos todos os dias. Essa reunião geral ficava para os finais de semana, quando podíamos abusar do horário.
E o que seria de um evento reunindo bons amigos para desfrutar os benefícios de aparelhos eletrônicos sem comida? Essa era, sem dúvida, uma personagem à parte. A comida, fosse qual fosse, era uma amiga querida – dessas que chegam em cima da hora e ainda trazem boas novas. Podia ser uma pizza, quibe ou um pacote de salgadinhos, sua chegada era recebida com largos sorrisos, olhos arregalados e salivadas generosas. Sem dúvida, era a apoteose da noite. Curiosamente, não éramos gordos na época – eu, particularmente, era um “palito”. Hoje já não se pode mais afirmar isso.
E foi uma dessas noites de sábado, após o fechamento da locadora, que me inspirou a escrever este texto. Estávamos em cinco ou seis pessoas, fazendo o que fazíamos melhor: Nada. E isso dava fome. Pois bem, lá pelas 20h começamos a sentir que o “momento sagrado” se aproximava e precisávamos agir rápido. Tínhamos a nosso favor o fato de que todos concordavam em um ponto: Queríamos comida e não pretendíamos sair para buscá-la. A solução óbvia era pedir algo por telefone. Mas o que? Não demorou muito e veio a sugestão do agrado de todos: Comida chinesa.
Sim, o China in Box foi o escolhido. Rapidamente fizemos uma lista de tudo o que iríamos pedir. Que eu me lembre foram uma caixa de yakisoba, outra de frango empanado e outra de carne com cebola – todas na versão “executiva”, que vinham acompanhadas de porções de arroz. Pelo valor do pedido tínhamos direito a alguns “rolinhos primavera”, iguaria favorita do nosso amigo Vítor, que esperava ansiosamente pelos tais rolinhos. Ao perguntarmos o tempo de entrega, a atendente nos deu um prazo de 20 a 30 minutos. Estava dentro do esperado, podíamos sobreviver por mais esse tempo.
Assim, voltamos a nos concentrar em nossas ociosas atividades. E o tempo passou. E passou. E passou. Em dado momento, percebemos que algo nos incomodava. Era a fome. Da hora em que fizemos o pedido até aquele momento, haviam transcorrido mais de 50 minutos. Nossos estômagos estavam emitindo ruídos mais altos do que o filme que assistíamos, e isso não estava certo. As entregas costumam demorar nos finais de semana devido ao grande número de pedidos, mas aquilo já era absurdo. Com certeza a atendente havia se esquecido de nós. Então ficamos num dilema: Ligar novamente para o China in Box e correr o risco de aguardar mais um bom tempo para receber a comida ou pedir algo de outro lugar que entregasse mais rápido?
Apesar de não simpatizar com o atual presidente da república, reconheço que ele estava certo ao afirmar, certa vez, que “quem tem fome, tem pressa”. Éramos a prova cabal disso, portanto, optamos por fazer um novo pedido de outro lugar. Ligamos para uma pizzaria, pedimos três pizzas diferentes e explicamos nossa urgência ao atendente, que deu um prazo de 20 minutos. Sem escolha, restou-nos esperar novamente. Transcorrido o tempo previsto, eis que o som de uma motocicleta parando à porta da locadora atrai nossa atenção.
Fomos recepcionar o motoboy e, de longe, percebemos um formato estranho nas caixas que ele trazia. Eram pequenas e verticais. Vítor, o louco por rolinhos primavera, ainda comentou: “Aí dentro não cabe uma pizza!”. Sim, o impossível aconteceu. A encomenda do China in Box acabara de chegar! Quase uma hora e meia depois do pedido. Pegamos as caixas e as levamos para dentro entre surpresos e preocupados. Será que dava tempo de cancelar as pizzas?
Ainda não havíamos aberto as caixas de comida chinesa quando o som de outra moto estacionando chamou-nos a atenção. Eram as pizzas! Entregues vinte minutos depois do pedido, como o prometido. A essa altura começamos a rir. Mesmo famintos como estávamos, aquilo tudo era demais para nós. Confesso que aquela foi a única vez na vida em que comi arroz, yakisoba e pizza portuguesa ao mesmo tempo, no mesmo prato. Uma experiência interessante. Comemos até não poder mais e ainda levamos várias caixas para casa.
Esse é o preço que se paga pela impaciência. No aperto da fome, sequer cogitamos ligar para o China in Box apenas para saber se o pedido ia ser entregue ou não e cancelar, já que pedíramos pizzas. Depois desse dia, aprendemos que pedir comida chinesa pelo telefone requer realmente uma paciência oriental. Ah, e esqueceram dos rolinhos primavera do Vítor.
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