Categorias: Cotidiano

Mendigos não admitem concorrência

Parado no farol a caminho do trabalho, percebi de longe os famosos ‘bichos’ das faculdades pedindo dinheiro entre os carros. Divertido ver essa molecada tingida de guache dos pés à cabeça implorando centavos aos motoristas. O dinheiro obtido, claro, não será usufruído pelos ‘bichos’, mas pelos veteranos que torrarão tudo no bar mais próximo. A chance dos ‘bichos’ de enveredarem-se pelos bares terá que esperar o ano que vem, quando estes poderão ir à forra contra novos calouros.

Gosto desse clima festeiro que funciona como ritual de iniciação para uma nova fase da vida. Claro, não me agrada ter o cabelo pintado (como já tive), mas faz parte da brincadeira, que se há de fazer? Entretanto, o que me chamou a atenção não foram os garotos e garotas multicoloridos correndo entre os carros, mas um sisudo mendigo que, apoiado em uma bengala, vinha xingando a molecada. Ele estava irado porque os estudantes pediam dinheiro em “seu” semáforo. Bufando, bradava: “Vão pedir dinheiro em outro lugar, esse farol é meu! Sou deficiente!”

Sem querer duvidar da veracidade da deficiência do cidadão, mas eu não consideraria um andar ligeiramente manco como incapacidade de exercer qualquer profissão – nem que fosse para vender balas. Afinal, à exceção de uma das pernas, o homem parecia perfeitamente saudável e ainda era jovem. Meu avô também tinha problemas nas pernas e andava com bengala, mas, aposentado, dedicava-se a desenhar, pintar e fazer belíssimos modelos em madeira dos antigos bondes de São Paulo. Não ganhava dinheiro com isso, mas não lhe faltavam encomendas. Ele não vendia porque não queria.

Ainda sobre o ocorrido, o mendigo de hoje lembrou-me de outros dois, nesse mesmo local, numa tarde de domingo do ano passado. Eram um casal. O homem, já com idade avançada e completamente bêbado, dirigiu-se a um dos carros para pedir dinheiro. Mal parava em pé e balbuciava algo indecifrável. A mulher, também com certa idade e também bêbada, vendo a cena do outro lado da rua, apanhou um bloco de concreto e veio correndo em direção ao homem, dizendo que ele estava invadindo o “espaço dela” e que não poderia pedir dinheiro ali. Ela arremessou a pedra (acho que era um pedaço da calçada) diretamente no peito do homem, que caiu sentado. Caiu mais por cauda da bebedeira do que por causa da pedra, já que a mulher não tinha forças para um grande ataque.

Engraçado notar como os mendigos defendem com unhas e dentes os locais públicos como se fossem propriedade privada. Se reclamar com algum deles por dormirem na porta da sua casa, ouvirá que a rua é pública e eles têm o direito de ficar aonde bem entenderem. Mas ai de você se resolver ficar em algum lugar que possa lhes prejudicar os ‘negócios’, ainda que seja também um local público. E nem pense em utilizar o mesmo argumento em sua defesa. Eles têm a ‘vantagem’ de se auto-inferiorizar e, por isso, tornam-se superiores. Dois pesos, duas medidas.

Se há algo que me recuso a dar, é esmola. Ainda mais quando vejo que o pedinte não a merece. Sejam crianças seminuas cujas mães lhes ordenam a mendigar enquanto ficam sentadas na calçada ou sujeitos até mais bem nutridos do que eu e que me chamam de “tio”, não dou uma moeda. Mas corta-me o coração ver velhinhos (desses que até a água precisa ser moída para beberem) em situação de necessidade e, mesmo assim, vendendo alguma coisinha em vez de mendigar. Aqueles que pedem por pedir, sem se preocupar em fazer por merecer, deveriam olhar para esses velhinhos arrastando pesadas malas e sentirem vergonha de si próprios.

Emilio Calil

Empresário, Palestrante e Escritor. ⚡ Fundador do Marketing de Transformação, que emprega técnicas de autoconhecimento e coerência para elevar o espírito de pessoas e empresas.

Ver comentários

  • Eu também não dou esmola (a não ser quando me sinto quase coagido a isso).
    É bem verdade que grande parte desses mendicantes são preguiçosos e bêbados querendo viver a custa das moedas dos que trabalham. Já é difícil sustentar a família, imagine tem que ainda sustentar vagabundos.

    Sei que as condições sociais não são iguais para todos, e muitos precisam realmente de ajuda, mas ajuda tem que ser dada com discernimento. Dar esmolas é promover ainda mais a mendicancia, e não ajuda ninguém.

  • Interessante ver pontos de vista diferentes.
    Há um tempo atrás, eu tinha a seguinte opinião:
    Devemos dar esmolas sim, não podemos esperar que o governo ajude os mendigos, não vão ajudar...enfim...
    Hoje me desagrada lembrar que eu tinha tamanha revolta contra o governo e por isso tinha distorção nas opiniões em determinados assuntos.
    Penso hoje que uns merecem oportunidades - e não esmolas -, enquanto outros, algum tipo de tratamento, claro, continuo "sabendo" que o governo não fará nada satisfatório a respeito, mas se eu continuar dando esmolas não vou ter dinheiro suficiente no futuro para concluir o meu projeto de vida que é justamente melhorar a qualidade de vida humana com trabalho e educação. Não quero ser política, apenas, solidária, o máximo que puder.
    Por outro lado, me lembrei agora de como fui maltratada pelo Artista Plástico Selaron, um chileno que fez uma linda arte na escadaria da Lapa - RJ.
    Ele tratou a mim, meu namorado e um amigo como se fôssemos "vagabundos", isso mesmo, ele não usou o termo "mendigo", ele nos chamou de vagabundos, porque não quisemos sair da escada, estávamos sentados nela, conversando, devia ser umas duas da tarde de um sábado, nosso amigo, baiano, estava encantado com a arte, batendo papo e tirando fotografias, fomos simplesmente expulsos de um lugar público por alguém que não tem nenhuma autoridade, então, é legal lembrar que dar esmolas não é legal, mas, não se faz necessário destratar um ser humano, por conta de um mau hálito ou cheiro forte de suor que se encontre em um mendigo algumas vezes. Somos todos iguais, pena que nem todos querem correr atrás de seus sonhos e direitos civis.
    PAZ!

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Emilio Calil

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