Eu detesto ir ao médico. Ninguém gosta, óbvio, mas eu realmente detesto. Não sei se pelo ambiente ou por passar eternidade nas desconfortáveis salas de espera dos consultórios. Para eu ir ao médico preciso estar mesmo à beira da morte. Ou quando a esposa decide que eu preciso ir – o que aconteceu recentemente.
Venho sentindo a vista embaçada ao ler de perto ou após um tempo no computador, além de ligeira dificuldade para dirigir à noite na chuva. Ouvindo isso, minha esposa já tratou de agendar um oftalmologista. E lá fomos nós.
Mas gostei muito deste médico. Primeiro, porque sequer ficamos na sala de espera. Fizemos o cadastro e quando íamos sentar, o próprio oftalmologista, Dr. Edson, já nos chamou para sua sala. “Ao menos ele é rápido”, pensei.
Em sua mesa, ele olhou para mim e perguntou:
– Bem, o que trouxe você aqui?
– Ela! – respondi, apontando para minha esposa.
– Ah, então você fala nheengatu?– disse ele.
Fiquei olhando para ele sem entender nada. Então veio uma explicação fascinante que mescla história com hábitos comportamentais. O tal nheengatu (ou inhangatu) é um idioma meio indígena e meio português e, a bem da verdade, os brasileiros estão mais propensos a falar nheengatu do que português – você pode entender melhor sobre o tal idioma aqui na Wikipedia e nesta reportagem do Estadão.
O Dr. Edson foi mais longe. Explicou que o nheengatu, mais do que um idioma, é um comportamento. À época da colonização do Brasil, os portugueses pegavam os índios para realizar trabalhos manuais (ou escravos, se preferir), como construções, obras, plantações, etc. Porém, quando os portugueses se afastavam, os índios, revoltados, faziam o trabalho ‘de qualquer jeito’. Isso ficou enraizado na cultura e explica porque, até hoje, se você não ficar em cima dos pedreiros, eles não fazem nada direito.
O mesmo valia para o idioma. Como as palavras indígenas eram menores, eles não queriam incorporar as enormes palavras estrangeiras e tratavam de encurtá-las quando possível – por isso José virava ‘Zé’ e Sebastião virava ‘Tião’. E nascia o nheengatu.
Tudo isso para o Dr. Edson dizer que se alguém não fica em cima, eu não cuido da minha saúde.
Fiz os exames e não constou nenhum problema com meus olhos – apenas um cansaço e um grau de deficiência tão pequeno que ele sequer me recomendou óculos de descanso. E aí, tive mais outra aula.
Soube que a medicina está reinterpretando certos problemas de visão. O que antes era entendido com uma deficiência dos olhos, hoje está sendo considerada uma adaptação de todo o corpo à idade, de forma que e a pessoa desenvolve uma nova forma de enxergar. Ele me perguntou:
– Você está com dificuldade de enxergar de perto, não?
– Sim – respondi.
– E você consegue se lembrar bem de cenas da sua infância, mas não sabe o que comeu terça passada, correto?
– Sim – respondi de novo.
– Pois bem, este é o seu corpo se adaptando à idade e mantendo-se próximo das coisas que estão mais ‘longe’ do que das que estão mais ‘perto’. Não há nada errado com seus olhos, você está apenas desenvolvendo uma nova forma de ver o mundo.
E ainda acrescentou: – Desconfie de todo médico que possui consultórios perto de óticas e farmácias. Você não viu nada disso aqui perto, não é? – De fato, não vi mesmo.
Eu realmente estava fascinado. Minha esposa notou os porta-retratos na mesa dele e elogiou sua família. Ele agradeceu e nos disse que família é tudo o que importa. Apontou para algumas fotos: – Esta é minha netinha, que fez recentemente um comercial de fraldas. E este é meu filho mais novo, ele fala cinco idiomas.
Notando nossos olhares de admiração, ele finalizou: – Lá em casa podia faltar tudo, menos cultura!
Esta foi uma visita a um oftalmologista que realmente melhorou minha ‘visão’.
E agora preciso encontrar algum problema com meus olhos para poder marcar uma nova consulta ao Dr. Edson e continuar o papo.
João Pedro
Quando menos esperamos, encontramos pessoas sensacionais! Temos que fazer o possível para viver novas experiências e conhecer novos lugares. Só assim nossa vida será repleta de surpresas como o Dr. Edson!