Cultura (s.f.):
Do latim colere (que significa cultivar), é um conceito de várias acepções, sendo a mais corrente a definição genérica formulada por Edward B. Tylor, segundo a qual cultura é “todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade”.
Extraído da Wikipedia
Outro dia, no Twitter, resmunguei que, quando viajamos para fora, somos apresentados à cultura, história e às artes dos países visitados. E que quando os estrangeiros vêm para cá enfiamos samba goela abaixo neles. O amigo KosherX então retrucou dizendo que se os estrangeiros fossem à Argentina, enfiariam show de tango goela abaixo neles – ou apresentações de flautas andinas, caso decidam se embrenhar América Latina adentro. Percebi, então, o erro do meu comentário. Um erro que acredito muitas pessoas cometem também ao associar o termo ‘cultura’ a algo refinado, nobre e elegante. Se dizemos que uma pessoa é culta, imagina-se alguém letrado, que conversa bem sobre diversos assuntos, polido e de vasto conhecimento. Não deixa de ser verdade, mas cultura em si, numa definição mais abrangente, não está limitada somente a esses aspectos.
Um erro semelhante cometi certa feita no que se refere à música. Fui apresentado, numa festa, a um simpático violonista que chegou a integrar os Demônios da Garoa. Conversa vai, conversa vem, alguém solta: “O Emílio toca violino” – o que é mentira, pois, no máximo, incomodo os vizinhos. Enfim, quis saber o violonista o estilo de música que eu gostava. Respondi que tinha preferência pelas músicas clássicas. E ele: “Sim, mas qual?”. Como qual? As clássicas, ora. Ele: “Sim, mas Beatles é clássico. James Taylor é clássico. Elvis é clássico. Pixinguinha é clássico”. Não, não, me refiro a Beethoven, Mozart e afins. “Ah…” – disse ele – “Você quer dizer música erudita”? Vivendo e aprendendo.
Voltando à questão principal, samba é cultura sim. E, refletindo melhor a respeito, é isso que os gringos querem quando estão no Brasil. Por que alguém sairia lá de Viena, na Áustria, para assistir a um concerto da OSESP aqui? O Brasil é o país do samba e do futebol. É isso que exportamos para fora. É essa a imagem que transmitimos ao mundo, e é isso o que o mundo vem buscar aqui. É algo nobre, que causa orgulho e contribui para o avanço da humanidade? Não e nunca será. Mas, como dizem por aí, é o que tem. E o fato de algo ser definido como cultura não significa que seja bom ou digno de apreciação. Em minha opinião, carnaval e futebol são os piores exemplos possíveis para divulgação cultural de um país. Mas temos aí milhões de pessoas que dirão que estou errado.
Tenho planos de ir à Argentina e, no caso, penso em ver um show de tango. Imagino que alguns argentinos, se detestarem tango, me desaconselhariam sobre isso. E se eu for à Viena, talvez alguns vienenses digam: “Vocês têm samba lá, por que querem as músicas chatas daqui”? Não sei se algum vienense agiria assim, mas ninguém é obrigado a gostar da cultura de seu próprio país. O problema do Brasil, acredito, está no exagero. Tudo é elevado à enésima potência. Basta alguma personalidade internacional passar por aqui e fazer algum comentário positivo sobre a cultura local (como se fosse idiota de criticar), para que momentos depois sites e jornais estampem manchetes como “Atriz de Hollywood se rende aos encantos do samba” ou “Vocalista do grupo tal diz que Brasil foi o melhor país por onde passou em turnê”. É essa necessidade de autoafirmação constante que me incomoda. Na falta de ícones culturais de renome, na falta de lendas literárias ou musicais que fizeram alguma contribuição real para o mundo, qualquer afago ianque em nossa mediocridade faz com que os jornalistas pareçam cães vira-latas ao lado da churrasqueira, abanando o rabo à espera de migalhas.
Para o brasileiro médio, uma mulata (ou afrodescendente?) seminua rebolando na TV ou um jogador de futebol tem o mesmo (ou mais) peso cultural do que um Voltaire, um Cervantes ou um Caruzo. Sim, sei que são comparações incompatíveis. Mas as fiz para demonstrar a discrepância da nossa cultura com a de outros países. Não que eles lá não produzam lixo e inutilidades também, mas a porcentagem é um tanto menor do que a nossa – ou, no mínimo, útil e inútil possuem destaques equivalentes. Há espaço para todos os gostos, claro, e cada um gosta do que quer. Não pretendo que todos passem a ouvir apenas música clássica ops, erudita. Não se trata de extinguir o samba, o futebol e similares, mas sim de proporcionar às pessoas uma capacidade intelectual maior para que elas próprias possam comparar e fazer suas escolhas. A meu ver, basta um mínimo de boa educação e de estímulo à leitura para que a pessoa, aos poucos, comece a se afastar desse tipo de cultura e passe a se interessar por outra mais refinada.
Que mais não seja, particularmente tenho aversão a barulho e tumultos. Para mim, civilização é sinônimo de silêncio. Portanto, qualquer cultura que abuse dos decibéis e de multidões aglomeradas não é cultura, é barbárie.
Emerson Freire
Como sempre, excelente.
Só que tenho um comentário a fazer sobre a declaração do simpático violinista (ex-demônio da garoa). Até onde eu sei a declaração dele está errada, e vou explicar por quê.
Você disse que gosta de “música clássica”, e com isso você queria se fazer entender como apreciador de Beethovem, Mozart, e por aí vai. Então o violinista vem e diz que Beetle é clássico, Elvis é clássico, e também por aí vai. Só que ele fez uma baita confusão.
Primeiro, Beetle é clássico, mas não é música clássica. Pois música clássica é a música produzida ou no período, ou dentro da estética de música clássica. É o caso de Beethovem que é do período clássico, sua música com tal é clássica (e pode ser chamada de erudita também). Veja Bach por exemplo, a música dele não é clássica, é barroca, pois se enquadra no período e nos moldes da arte barroca. Chamar as música de Bach de clássica, é um erro. Mas Bach pode ser chamado de “clássico” no sentido de “universal”. E pode também ser chamado de “erudita” mesmo não sendo música clássica.
Então, assim explicado, entendemos então que toda “música clássica” é “música erudita”, mas nem toda música erudita é clássica, pois pode ser barroca, rococó, e por aí vai.
E também fica entendido que “clássico” é toda aquela obra que tenha caráter universal e duradouro, eterno. Elvis é um clássico, nunca (supoe-se) será esquecido, é eterno. Não é o caso dos Mamonas Assassinas por exemplo, um dia ninguém vai lembrar mais, o máximo é que fique registrado em livros de historiografia da música.
É isso aí.
Emerson Freire
Completando… você não disse nada errado. Toda “música clássica” é também um clássico (pelo seu caráter eterno e imutável), mas nem todo “clássico” é música clássica.
Logo, o violinista fez uma observação incorreta e desnecessária. Ele é simpático, mas foi-se a garoa e ficou o demônio (no sentido de ser que confunde, e não com entidade do mal, que fique explicado, haha).
Kosher-X
Concordo com o Emerson, também penso que nem toda música erudita é clássica e nem todo clássico é música clássica. A maioria das pessoas atualmente insistem que o termo “música clássica” só serve pra designar rock que já foi famoso. Eu continuo discordando desta opinião. O problema é a pluralidade de opiniões sobre fãs de música e invenções de diversos termos pra classicá-las, muitas vezes sem um ponto de acordo entre alguma categoria que entendem ser correta pra classificar uma música qualquer. Acho que isso nunca chegará a ser uma ciência exata, só uma imensa troca de opiniões particulares.
Quanto às culturas diversas, eu, como disse antes, considero que qualquer coisa criada pelo homem pode ser definida como cultura. E complemento que ela é individual na origem, criada por cada pessoa.
“Just as there is no such thing as a collective or racial mind, so there is no such thing as a collective or racial achievement. There are only individual minds and individual achievementsand a culture is not the anonymous product of undifferentiated masses, but the sum of the intellectual achievements of individual men.” (Ayn Rand)
“A nations culture is the sum of the intellectual achievements of individual men, which their fellow-citizens have accepted in whole or in part, and which have influenced the nations way of life. Since a culture is a complex battleground of different ideas and influences, to speak of a culture is to speak only of the dominant ideas, always allowing for the existence of dissenters and exceptions.” (Ayn Rand)
Por isso não sou tão exigente assim com esse tipo de coisa. A maioria decide, por algum motivo, louvar certas atitudes e comportamentos e não outros. Tanto que o samba e futebol citados nem mesmo foram criados no Brasil, embora todos considerem como elementos culturais fundamentais daqui. Não é algo que mais leitura fará diminuir a importância destes, tem gente que é extremamente inteligente e não deixa de gostar de futebol, ano passado até mesmo o Diogo Mainardi arrumou um bico pra comentar Copa do Mundo. Goste-se delas ou não, são aspectos de vida decididos individualmente, e que foram optados pela maioria das pessoas e não acho que qualquer tipo de esímulo mude isso, seja leitura ou educação. Não é assim que funciona.
Emílio Calil
Bom, Emerson, quanto quanto ao violonista, é claro que ele estava brincando. Ele entendeu a minha resposta na primeira vez, apenas esticou a pergunta. E no fim acabei mesmo na dúvida sobre a melhor definição para música clássica. Fica difícil dizer “eu gosto de música rococó”. Mas o malabarismo com as palavras sempre é um bom exercício.
E, Kosher-X, concordo em parte. Como eu disse no texto, a intenção não é acabar com futebol e samba. Mesmo porque isso é gosto pessoal. Claro que há pessoas com nível cultural alto e que gostam de fuebol e samba. Mas será que aqueles que não tem acesso a elementos culturais mais refinados, se tivessem uma educação melhor e elevassem seu nível intelectual, continuariam gostando das mesmas coisas? Ou melhor dizendo, continuariam gostando APENAS das mesmas coisas, ou pelo menos teriam um leque maior de opção cultural?
Outra coisa que não comentei no texto é que sempre que se vê “projetos culturais” para crianças em locais mais pobres, mostram a garotada dentro de circos. Não consigo deixar de pensar na ironia da situação.
Kosher-X
“Outra coisa que não comentei no texto é que sempre que se vê projetos culturais para crianças em locais mais pobres, mostram a garotada dentro de circos. Não consigo deixar de pensar na ironia da situação.”
Nem sempre. Mas parece que circos são baratos de se gastar. Não sei ao certo, talvez seja mais barato que construir uma biblioteca. Também parece mais fácil noticiar uma atividade cultural pública em um circo do que uma biblioteca, por causa do atrativo visual com a dinâmica das atividades. Enfim, de novo, é questão de cultura. Além das bibliotecas, existem museus na cidade e isso não muda muita coisa, a maioria das pessoas continua preferindo ir aos jogos de futebol, pagando mais caro por isso. Em época de carnaval, então, chega ao ponto da própria prefeitura investir absurdamente em um sambódromo e diversos gastos anuais atrelados a ele, alegando que é um investimento turístico que compensa. Não sei se é verdade, só sei que, com envolvimento estatal no negócio, é doentio. E isso, infelizmente, também é parte da cultura local. Não vejo como seria diferente com educação melhor, pois países europeus também realizam seus carnavais e campeonatos de futebol.
Ale Treguer
Em poucas palavras: música clássica não é muita erudita e vice-versa. Assim como cultura popular pode ser refinada ou vulgar, dependendo do ponto de vista, do gosto pessoal, etc.
Quanto a questão da leitura, de fato, ela vem sendo deixada de lado ano após ano. A Internet tem exercitado a preguiça mental de muita gente. Isso inclui também os próprios escritórios que andam publicando apenas lixos de auto-ajuda, contos vampirescos e outras tranqueiras que nada contribuem com a educação. O reflexo disso pode ser, facilmente, identificado na forma como as pessoas tratam a língua portuguesa ou de como as informações estão sendo expostas nos últimos anos.
De qualquer forma, sobre a questão do circo, talvez o amigo KOSHER-X não tenha percebido que não é a questão de valores financeiros que estão em discussão com a implantação de tendas nas comunidades carentes. Nem tão pouco da facilidade de divulgação de um circo escola ao invés de uma biblioteca. O que realmente conta é que toda criança precisa de atividade física para o seu bom desenvolvimento. Nada mais lúdico para uma criança do que o mundo mágico do circo. Qualquer um que teve uma infância normal, deve saber exatamente do que estou dizendo.
Sobre os investimentos governamentais nas chamadas festas populares, em especial o carnaval, de fato, não precisa ser um gênio do mundo dos negócios para reparar que, a partir do momento que a cidade recebe um evento de grande porte, pessoas do mundo inteiro se deslocam para o local, gastam com hospedagem, transporte, alimentação, etc. Isso faz com que a economia local seja movimentada em proporções consideráveis. Tendo em vista que sobre tudo incide imposto, então o investimento acaba voltando para o governo em dobro, triplo, ou centenas de vezes…
Kosher-X
Sim, eu, que cada dia mais penso como um economista, sou isso. Não posso negar, em quase todos os aspectos da realidade eu sempre vejo pelo lado financeiro. Sou um economista misógino e maligno. Perdão.
Também não nego que exista essa teoria sobre o carnaval ser um “investimento” de turismo, mas eu precisaria de dados pra comprovar o que digo. O que tenho como fato confirmado é que essa mesma conversa é usada como motivo pra realização de olimpíadas e copas do mundo, que são comprovadamente perdulárias e não trazem retorno nem pro governo. Raramente o contrário acontece.