Ano passado, quando estive em Gramado (RS), uma das coisas que chamou minha atenção na cidade (além da apaixonante exuberância natural e arquitetônica), foi a educação da população. Os gramadenses são hospitaleiros, solícitos e extremamente educados. Sorridentes e bem humorados, orgulham-se de sua cidade e fazem questão de valorizar seus produtos locais.
Minha esposa e eu, caminhando por Gramado, levamos três dias para perceber que a cidade não possuía semáforos. Bastava colocar o pé da faixa de pedestres e os carros paravam. Cheguei a ficar constrangido por atrapalhar o trânsito sempre que atravessava a rua. Mas havia um detalhe: Todo mundo, sem exceção, atravessava sobre a faixa. Resolvi fazer um teste e arrisquei atravessar no meio de uma avenida, fora da faixa. Como resultado, o carro que vinha em minha direção reduziu a velocidade e desviou, mas não parou. Ou seja, tanto motoristas como pedestres respeitavam um ao outro, desde que dentro de seus respectivos direitos. Claro que esse comportamento não é exclusivo de Gramado, há outras cidades no Brasil que possuem essa educação no trânsito.
Na pousada em que estávamos, reunimos um grupo de hóspedes no saguão para confraternizar em uma noite de queijos e vinhos. Éramos ali paulistas, cariocas e mineiros. Juntou-se a nós Rogério, o dono da pousada, que nunca recusava boa prosa. Conversa vai, conversa vem, entre elogios às paisagens, ao clima e à gastronomia, todos concordávamos na questão da educação e respeito dos gramadenses. Rogério interrompeu:
“Bem, ficamos felizes por vocês gostarem da nossa cidade. Temos de fato muitos lugares que valem a pena serem conhecidos. E é bom ouvir elogios à nossa educação, mas isso não deveria ser um diferencial. Não deveriam ficar maravilhados pelo fato de um carro parar para vocês atravessarem a rua. Vocês deveriam vir para cá em busca da arquitetura alemã, dos parques e restaurantes, e não para ver pessoas que não jogam lixo na rua. Isso deveria ser nativo das suas cidades”.
Ora, ele estava certo. Boa educação e respeito não deveriam ser atrações turísticas. Você não viaja quilômetros apenas para que alguém lhe dê um bom dia sorrindo. Isso é algo que deveria estar intrínseco em nós mesmos aonde quer que estejamos. Aliás, pelo discurso do Rogério que seguiu após esses comentários iniciais, vi que ele partilhava de muitos de meus pontos de vista políticos e morais. Mas isso é outro assunto.
Voltando à questão da educação no trânsito, é relativamente fácil manter essa ordem em uma cidade de trinta e poucos mil habitantes. Especialmente se a educação vem do berço e não é apenas imposta por leis (não que Gramado não possua leis de trânsito). Mas quando passamos para um cenário caótico de uma metrópole como São Paulo, não vejo solução fácil. Há algum tempo correm notícias sobre novas medidas de trânsito que aplicarão multa aos veículos que desrespeitarem a faixa de pedestres (veja a notícia aqui). Basicamente, a partir de 8 de agosto de 2011, o motorista que desrespeitar a faixa de pedestres desembolsará a quantia de R$ 191,53 e levará sete pontos na carteira de habilitação.
Não é lei nova, pelo que consta. Está em vigor desde 1998, mas não era aplicada. Até aí, nada mais justo. Se existe a lei, que se faça cumpri-la. Mas conhecendo São Paulo como conheço (e seu sistema de fiscalização), das duas uma: Ou isso se tornará mais uma fonte de renda da indústria das multas, ou será esquecida como a famigerada lei seca, que resulta em uma ou outra blitz esporádica. Que seria maravilhoso ver o respeito no trânsito de Gramado refletido em São Paulo, não há dúvida. Que existem motoristas que deveriam ser proibidos para o resto da vida de chegarem perto de um automóvel, também não se discute. Mas e quanto aos pedestres?
Os pedestres são tidos como vítimas, mas não é bem assim. Que fazer com as multidões que atravessam a rua fora de suas respectivas faixas a todo momento? Por que não multar pedestres também? Ou então atribuir a eles a responsabilidade por qualquer acidente caso atravessem fora da faixa, isentando o motorista. Não seria algo que os faria pensar duas vezes antes de sair correndo no meio dos carros? Ih, atropelaram o João. Estava atravessando na faixa? Não. Então azar o dele.
Perto da Radial Leste, na bifurcação logo abaixo do viaduto do bairro da Liberdade, onde não é permitido o trânsito de pedestres, cansei de frear abruptamente para imbecis que se atiram na frente dos carros, ziguezagueando e rindo. Se eu os atropelar, a culpa é deles ou minha?
Criar conscientização em uma população que há décadas faz questão de desrespeitar qualquer lei, baseando-se sempre na máxima do “primeiro eu”, é tarefa hercúlea quiçá impossível. Garantir que novas gerações de motoristas passem a respeitar as leis pode ter algum sucesso se a educação vier primeiramente dos pais e não apenas das auto-escolas. Mas quanto a ensinar truques novos para cachorros velhos, tenho cá minhas dúvidas. O respeito às leis de trânsito não está ligado a normas e legislações. Está ligado ao respeito à vida e ao próximo, refletido individualmente em cada um de nós.
São Paulo aparentemente quer ser Gramado na base da multa. Talvez seja a única solução mesmo, ainda não tenho uma opinião formada quanto a isso. Poderiam haver iniciativas bairro a bairro, talvez surtissem mais efeito do que atacar a cidade como um todo. Mas grande parte das leis não precisaria sequer ser escrita se a educação do berço prevalecesse sobre o resto. Tudo faz parte de um conjunto. Quem joga lixo no chão também desrespeita as leis de trânsito e também ocupa assentos de idosos em metrôs e ônibus. Não se pode mudar uma única atitude específica quando ela está atrelada a tantas outras. Ou se muda tudo ou não se muda nada.
Mas para não terminar apenas em resmungos e lamúrias neste texto, já que falei em Gramado, segue abaixo dois vídeos sobre a cidade um em especial sobre a Pousada Casa Branca, do Rogério. Quem já conhece, vale para relembrar. E quem ainda não conhece, que isso sirva de incentivo para visitar essa bela cidade:
:: Gramdo (RS) ::
:: Pousada Casa Branca – Gramado (RS) ::
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