Categorias: Cotidiano

Ame-o ou deixe-o

“Você sempre fala mal do Brasil em teu blog”, reclamou minha noiva. “Só tem elogios para Estados Unidos e Europa, mas parece que detesta o Brasil”. Fiquei matutando a bronca dela por vários dias. Não foi a primeira vez que me disseram isso. O amigo Kosher-X (digitaldevilstory.blogspot.com), mesmo concordando comigo em muitos aspectos, adora refutar meus argumentos sobre a vida na Europa, em especial sobre a França: “Sabe por que o símbolo da França é o galo?” – pergunta. “Porque representa vigilância e valentia?” – respondo. “Não, é porque as ruas são cheias de m…”.

Já participei de debate onde discutiam o melhor lugar do mundo para viver, e chegaram a dizer que os problemas dos europeus são exatamente os mesmos dos brasileiros, mas que a imprensa esconde os fatos. Alto lá, cara pálida. Que a Europa não seja perfeita e tenha muitos problemas, concordo. Mas exatamente os mesmos do Brasil é argumento nacionalista sem embasamento. Afinal, o que não falta é gringo chegando aqui doido para visitar favela, já que não têm isso lá.

Nasci no Brasil, mas não há razão para jurar amor eterno e considerá-lo melhor do que outros países. Assim como é idiotice considerar outro país melhor do que o Brasil só pelo fato de ser outro país. Fosse assim, estaria me desmanchando em elogios ao Haiti, Iraque, Cuba, Uganda e tantos outros lugares miseráveis. Quando comparo, comparo com quem possui nível de desenvolvimento melhor do que o nosso nos quesitos tecnológico, político e cultural. De que adianta ser melhor que Ruanda? Agora, se olharmos para os EUA, temos muito a aprender.

Essas comparações já me renderam a alcunha de “lambe-botas dos americanos” e “paga-pau do imperialismo”, entre outras piores. Para alguns, o Brasil é o melhor país do mundo e não tem o que melhorar. Mas quando é para importar o pior de outros países, saímos na frente. Apesar de minha admiração pelos Estados Unidos como potência mundial e exemplo de liberdade econômica, não me atrai como lugar para viver. Fosse sair do Brasil, arriscaria Itália, Espanha ou outro país europeu com séculos de história.

Ao escritor e amigo Janer Cristaldo (cristaldo.blogspot.com), que morou quatro anos em Paris, certa vez questionei sobre a má hospitalidade dos franceses. Disse-me que jamais vivenciou isso, mas alertou para dois grandes erros cometidos pelos brasileiros: “Muita gente vai à França achando que encontrará a mesma baderna daqui. Esse é o primeiro erro, pois o francês é muito reservado, o que pode ser interpretado como grosseria. O segundo erro é chegar lá falando inglês. Apesar dos franceses dominarem o inglês, é quase um insulto falar inglês na França”. Por coincidência, Cristaldo publicou esses dias um artigo explicando por que fala tanto da Europa, mas vive no Brasil. Transcrevo um resumo:

Em primeiro lugar, no Brasil vivia a mulher que eu queria. Uma mulher que eu não trocava por todas as riquezas do mundo […]. Em segundo lugar, na Europa eu seria sempre estrangeiro […]. Em terceiro lugar, o preço do metro quadrado na Europa […]. Em quarto lugar, o Brasil é um país que dá pra voltar e viver. Após meus quatro anos de Paris, quando desembarquei no Galeão e ouvi aqueles sons já quase esquecidos do português, devo confessar que fui acometido pelo famoso nó na garganta […].

Meus amigos, hoje, estão em sua maioria em São Paulo […]. Da gastronomia, não me queixo. Depois de Collor, tenho à minha disposição desde vinhos até arrozes que antes estavam fora do alcance de quem não fosse rico […]. Música sofisticada é o que não falta aqui em casa. Vivendo no Brasil, tenho grana para viajar para qualquer parte do mundo […]. Se tivesse dinheiro suficiente para morar confortavelmente em Paris ou Madri, é claro que não estaria aqui. Mas não tenho. E viver precariamente na Europa não tem muita graça.

Terei eu tanto ódio do país? De forma alguma. Não odeio o Brasil, considero bom lugar para viver, apesar de achar a grama do vizinho mais verde. Mas me reservo o direito de criticar aquilo que acho errado. Se critico muito, é porque vejo muita coisa errada. Não nutro grandes esperanças de melhorias, mas se o leitor por acaso se encaixar nas minhas críticas e repensar seu modo de agir, não terei escrito em vão.

Pra não dizer que só falo mal, o Brasil tem suas vantagens: A fartura de alimentos, por exemplo, com variedade de frutas, legumes, grãos, etc. No Japão, a idéia de churrasco com amigos é inconcebível. Imaginar que há gente passando fome aqui é contra-senso imenso. Apesar da imprensa nacional infestada de viuvinhas de Marx, ainda existe liberdade para se escrever o que quiser, ao contrário das nações socialistas. O Brasil também folga de ampla liberdade religiosa, onde cada pessoa pode professar sua fé sem maiores problemas, diferente da Irlanda ou Oriente Médio. Também aqui o racismo é tênue se comparado aos EUA – viu só? Critiquei os EUA!

Outra coisa que comparo é o respeito que instituições públicas e empresas privadas têm pelos cidadãos. Ainda que não sejam perfeitos, certos países tratam a pessoa com civilidade. Um atraso no vôo ou no trem é reembolsado, uma moeda perdida é devolvida – ainda que seja só uma moeda. Essas coisas fazem falta aqui, onde qualquer reclamação tem que ser feita na justiça.

Do povo brasileiro, no geral, não suporto a falta de educação, de cultura, a acomodação e a eterna dependência do governo. São coisas que podem melhorar, verdade, mas não viverei para ver. Também não me agrada o clima tropical do Brasil, mas aí é gosto pessoal – detesto calor. As exuberantes praias do nosso litoral não exercem o mesmo fascínio que, por exemplo, a chance de passar uma tarde em Viena, no café onde Mozart escrevia suas sinfonias. Aliás, belezas naturais não me atraem tanto quanto paisagens que se mesclam a belas arquiteturas. A Áustria é bom exemplo – digite “Hallstatt” no campo de busca do site brodyaga.com e entenderá o que digo. É possível que, estando na Europa, meu encanto desapareça. Ou se intensifique. Mas ir para lá é algo que preciso fazer antes de morrer, do contrário morrerei se não for.

O bordão “Brasil, ame-o ou deixe-o”, sem fundamento, substituí por “ame-o e melhore-o”. Resolvi ignorar as coisas que me irritam e deixei-me conquistar pelo que de melhor o Brasil, em especial São Paulo, me oferece. Se por enquanto não posso ir à Europa, criei meu próprio universo particular com tudo o que me agrada. E não foi preciso muito esforço. Voltarei ao tema.

Emilio Calil

Empresário, Palestrante e Escritor. ⚡ Fundador do Marketing de Transformação, que emprega técnicas de autoconhecimento e coerência para elevar o espírito de pessoas e empresas.

Ver comentários

  • Ame-o e melhore-o, ou deixe-o mesmo. Ouvi falar que em Pasargada se vive bem. E quem é amigo do rei tem portas abertas em Pasargada.

  • Cara, nem sei mais o que dizer sobre o Brasil. Acho que, se colocarmos todos os políticos e 40% dos empresários salafrarios na privada e dermos descarga, o Brasil melhora. Não aquento mais pagar imposto e ter estradas que parecem crostas lunares; não aquento mais pagar IOF ou CPMF e ter de pagar plano de saúde particular; não aguento mais pagar imposto para ter um carro (IPVA e LICENCIAMENTO) e não ter grana pra gasolina.... Sei que isso acontece em outros lugares também, mas, vamos ser justos, nós, brasileiros pagamos muito para vivermos por aqui. Não é justo..... Alguém sabe de onde parte o primeiro vôo para as ilhas Caiman?

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Emilio Calil

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